IN MEDIA TRAINING - HALLAI CULT*
BOB DYLAN & NECAO CASTILHOS ... "MR.TAMBORINE MAN"*
cão farejador
snif...farejando
bob dylan
&
necao castilhos
TRADUÇÕES DE MR. TAMBOURINE MAN
NO BRASIL
75-7968.2017v37n2p101
DA REFRAÇÃO À RETRADUÇÃO
Maiaty
Saraiva Ferraz*
Universidade
de São Paulo
Resumo: Este
artigo inicia com uma introdução que destaca de maneira
geral
as questões mais significativas até o momento atual com relação à
tradução
de canções. Em seguida são apresentados os conceitos de refração
e retradução, que dão subsídio para
um estudo das traduções gravadas
da canção Mr. Tambourine Man de Bob
Dylan, no Brasil.
Palavras-chave: Tradução; Canção;
Refração; Retradução.
TRANSLATION OF MR. TAMBOURINE MAN AT
BRAZIL:
FROM REFRACTION TO
RETRANSLATION
Abstract: This article starts with an
introduction that points out an
overview
about the most significant
issues concerning song translation until
the present moment. After
that, it presents the concepts of refraction and
retranslation which form the
basis for a study of the translations of the
song Mr.
Tambourine Man by Bob Dylan recorded in Brazil.
Keywords: Translation;
Song; Refraction; Retranslation.
*
Maiaty Saraiva Ferraz cursa doutorado no Programa de Estudos da Tradução
da
FFLCH-USP. É mestre em Língua Inglesa e Literaturas Inglesa e Norte-
-Americana
pela FFLCH-USP, graduada em Letras (Licenciatura e Bacharelado
em
Português e Inglês) pela Universidade Mackenzie. É professora da FATEC
(Centro
Paula Souza) e coordenadora do Núcleo de Ensino de Línguas da FATEC
Itaquera.
Atua como tradutora pública desde 2001. Universidade de São Paulo,
São
Paulo, Brasil. E-mail: maiaty@yahoo.com.br
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
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Maiaty
Saraiva Ferraz
Introdução
A
tradução de canções, embora esteja presente na sociedade e
nas
manifestações culturais da vida cotidiana, necessitou de um
período
de tempo mais longo que outras formas de expressão cultural
para
se tornar objeto dos estudos da tradução.
Uma
das razões
prováveis
desse fato reside na problemática de abordar um gênero
artístico
que se estrutura com frequência em três elementos que devem
ser
considerados: a melodia, a letra e a performance.
Os estudiosos
da
tradução de canções têm buscado desenvolver propostas
de
abordagem que integrem esses elementos de forma equilibrada.
Entre
as questões envolvidas no estudo da tradução de canções, julgamos
oportuno
destacar algumas questões abordadas por
Susam-
-Sarajeva
(2008, p. 189) sobre tradução e música.
Entre os tópicos
discutidos,
a autora ressalta uma das questões mais importantes e
provavelmente
a primeira a ser discutida no âmbito da tradução de
canções:
a dificuldade de se estabelecer os limites entre “adaptação”,
“versão”,
“tradução”, etc.
Para a autora, é praticamente impossível
determinar
onde termina a tradução e começa a adaptação
quando
se fala em termos de tradução de canção popular.
A autora
também
lembra que as abordagens funcionais, como a teoria do
Skopos,
têm recebido maior atenção por parte de pesquisadores da
tradução
de canções, como Low (2005, p.185) e Franzon (2008,
p.373-399).
Os estudos mais recentes sobre a tradução de
canções
têm
abordado questões que devem ser consideradas quando se busca
entender
o processo e o produto da tradução de canções.
Susam-
-Sarajeva
(2008, p.191) aponta diversas questões que levam em
consideração
esses dois aspectos (“processo” e “produto”) e que
envolvem
o intérprete e o público-alvo, o meio de divulgação da
tradução,
se em gravação ou performance, o modo da apresentação
do
texto, seja em encarte, libreto ou outro e outras aparentemente
inúmeras
questões que devem ser respondidas.
A
autora acima citada também sugere novos caminhos a serem
seguidos
pelas pesquisas sobre tradução e música, e destacamos
aqui
alguns dos tópicos. Susam-Sarajeva (2008, p.193) chama a
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 103
Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil:
da refração à retradução
atenção
para a importância da criatividade na tradução realizada
para
ser cantada.
Para Jessica Yeung (apud Susam-Sarajeva, 2008,
p.
197), o conceito tradicional de “fidelidade” não contempla na
totalidade
o processo de tradução nesse contexto.
Outro tópico importante
para
Susam-Sarajeva (2008, p. 193) é a intertextualidade.
Consideramos
que esse é um aspecto diretamente relacionado à retradução,
especialmente
de canções, e que deve ainda ser bastante
explorado
pelos pesquisadores. Outros dois tópicos sugeridos e que
possuem
certa conexão são a questão da recepção e da produção
das
traduções e a da distribuição da música e os aspectos econômicos
dos
mercados globais e locais. Susam-Sarajeva (2008, p.
194)
também lembra a necessidade da abordagem de questões de
identidade
(étnica, cultural, de gênero, linguística, nacional), que
acreditamos
estarem relacionadas ao conceito de refração, a seguir.
Refração e tradução de canções
André
Lefevere (2004, p. 239) entende as traduções como uma
das
formas de um grupo de fenômenos aos quais chama de “refrações”,
estas
definidas como a “adaptação de uma obra literária para
um
novo público com a intenção de influenciar o modo como esse
público
lê a obra” (LEFEVERE, 2004, p. 241).
Lefevere
considera
que
a crítica também é uma forma de refração, embora menos
evidente
que a própria tradução, bem como antologias, e observa
que
todas essas “refrações” contribuem para estabelecer a reputação
de
um autor ou de sua obra. Ao estudar o exemplo da obra
de
Brecht, Lefevere aborda questões relativas a peças desse autor
alemão
que foram traduzidas para o inglês por três tradutores.
Lefevere
observa
que a grande maioria do público de teatro não teria
acesso
ao texto original de Brecht e mostra como as refrações, entre
elas
as traduções e manipulações nelas realizadas, conduziram
a
uma leitura e imagem determinada de Brecht, significativamente
ajustada
a convenções e ideias do universo anglófono no qual suas
obras
estavam sendo inseridas.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
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Maiaty
Saraiva Ferraz
Alguns
aspectos acima mencionados são relevantes também
para
abordar as traduções de canções para serem cantadas, mais
especificamente
de canções populares.
Podemos
lembrar que um
grande
número de artistas de música popular teve suas canções
adaptadas
para novos públicos com ênfase apenas em alguns aspectos
de
seu trabalho.
Citamos como exemplo os Beatles, que tiveram
diversas
adaptações (ou versões, como são às vezes chamadas
as
gravações de canções traduzidas) de suas canções destacando
a
temática amorosa ou apenas o gênero musical do rock and roll.
Se
considerarmos que o mercado musical, mesmo em tempos midiáticos
como
os atuais, ainda se utiliza da crítica para divulgar a
obra
de um artista, para criar e fixar “rótulos” e associar artistas a
movimentos
e momentos musicais, a definição de Lefevere de que
a
crítica seria uma forma de refração menos evidente é certamente
aplicável.
E podemos considerar que, mesmo com a possibilidade
aprendizado
de línguas estrangeiras, grande parte do público
brasileiro
ainda não tem a possibilidade de compreender letras de
canções
em inglês sem recorrer a traduções, independente do formato
dessas
traduções.
As antologias, mencionadas por Lefevere
como
forma de refração, também acontecem no universo musical,
e
geralmente recebem o nome de coletâneas, coleções ou tributos.
Lefevere
(2004, p. 242) observa também que as refrações estariam
inseridas
num sistema literário, no qual os componentes
ideológico
e financeiro são parte integrante e ativa, além do componente
do
status de um artista na sociedade.
Quanto ao componente
financeiro,
Lefevere aborda duas diferentes realidades, a de
uma
“undifferentiated
patronage”, em que apenas uma pessoa,
grupo
ou instituição com uma única ideologia seria responsável
pelo
suporte monetário, e a de uma “differentiated
patronage”, em
que
não ocorre homogeneidade ideológica, e interesses conflitantes
estariam
envolvidos. Ambas situações também podem ocorrer no
campo
da música, embora a primeira mencionada pareça ser mais
comum
que a segunda.
Outra
consideração relevante na teoria da refração diz respeito
à
existência de uma “poética” da sociedade receptora da obra
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 105
Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
traduzida,
uma espécie de código de comportamento, que engloba
elementos
de estilo, linguagem, gênero, além do aspecto funcional
da
literatura na sociedade (LEFEVERE, 2004, p. 242).
Entre
as
“restrições” que integram sistemas literários, Lefevere destaca
questões
relativas à naturalidade na linguagem, ocasionadas pelas
diferenças
culturais.
A naturalidade é um dos cinco requisitos que
Peter
Low (2005, p.185) inclui em seu “Pentathlon
Principle”,
que
apresenta cinco critérios que devem ser considerados ao traduzir
canções
para serem cantadas. São eles: cantabilidade, sentido,
naturalidade,
ritmo, rima.
Ao
abordar refrações de Bertolt Brecht, Lefevere observa que
o
grau de aceitação de um artista pode ser determinado pela necessidade
desse
artista e de sua obra na cultura para a qual será
traduzida
(LEFEVERE, 2004, p. 243).
Esse
fator explica não somente
a
razão das refrações acontecerem, mas a maneira como
elas
ocorrem. No mercado musical, refrações ocorreram (e ainda
ocorrem)
principalmente por questões culturais de ordem social,
política
ou religiosa.
Como
é possível observar, a refração é uma realidade da tradução
de
textos de natureza literária que pode ocorrer também em tradução
de
canções. A seguir, trataremos de uma série de refrações
de
uma das canções de Bob Dylan, Mr.
Tambourine Man.
Refrações de Mr. Tambourine Man
A
canção Mr. Tambourine Man, de Bob Dylan, faz parte do
álbum
Bringing It All Back
Home, lançado em março de 1965.
A
essa
altura da carreira, Dylan já havia incorporado a seu trabalho
o
uso da guitarra em apresentações e gravações (e as mudanças
de
ritmo e estilo que viriam com esse advento), o que provocara
diversas
reações de contrariedade por parte de fãs e críticos.
Entretanto,
seu
público crescera, a despeito de críticas e de vaias recebidas
em
shows. Dylan já não aceitava mais ser classificado como
um
artista de uma única categoria, de um único estilo musical.
Ser
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 106
Maiaty
Saraiva Ferraz
considerado
um compositor folk provavelmente significaria uma
restrição
criativa a que ele não já não desejava se submeter, tanto
em
termos de melodia quanto em termos de letra.
Mas
a influência
e
as lições aprendidas com músicos e compositores da tradição folk
norte-americana
(como Woody Guthrie e Leadbelly) jamais deixariam
de
fazer parte de seu trabalho.
Mr. Tambourine Man está entre as canções mais conhecidas de
Dylan.
Como outras de suas canções, também recebeu gravações
por
outros artistas, as chamadas “covers”. Johnny Rivers, Johnny
Johnson,
William Shatner e Judy Collins estão entre os que fizeram
regravações
da canção.
Entretanto, os Byrds foram provavelmente
os
primeiros a realizar uma gravação cover
de Mr. Tambourine
Man.
Os Byrds lançaram também em 1965 seu primeiro
álbum, que
se
chamou exatamente Mr. Tambourine Man, no qual gravaram,
além
de canções de autoria do grupo e de outros autores (como Pete
Seeger),
uma versão dessa e de outras canções de Dylan:
“All I
Really Want To Do”,
“Spanish
Harlem Incident” e “Chimes of Freedom”
(do álbum Another
Side of Bob Dylan, de 1964). Tanto
a
gravação
de Bob Dylan quanto a dos Byrds atingiram o topo das
paradas
naquele momento. O estilo vocal e instrumental, além da
presença
de canções de Bob Dylan e Pete Seeger, valeu aos Byrds o
epíteto
de folk rock, e seu trabalho foi também bastante associado ao
dos
Beatles.
Outras canções de Bob Dylan ainda foram
gravadas pelos
Byrds
posteriormente, que reuniu e relançou todas no álbum
The
Byrds Play Dylan, em
1979. Gravações das canções de Dylan
feitas
pelos
Byrds também foram lançadas em formato de disco compacto,
o
que era comum na época; principalmente nos anos 1960 e 1970.
A
gravação que os Byrds fizeram de Mr.
Tambourine Man em
seu
primeiro álbum pode ser considerada uma refração intralingual,
pois
se trata de uma adaptação por redução que dirige a leitura dos
receptores
dessa canção. A canção original de Dylan possui quatro
estrofes
e um refrão, que é cantado no início da canção e após cada
estrofe
(ver letra completa no final deste artigo).
Os Byrds, em sua
gravação,
cantaram apenas o refrão, seguido da segunda estrofe da
letra
e depois o refrão novamente:
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
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Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
Refrão
Hey! Mr. Tambourine Man,
play a song for me.
I’m not sleepy and there is
no
place I’m going to.
Hey! Mr. Tambourine Man,
play a song for me.
In the jingle jangle morning
I’ll
come followin’ you.
Segunda estrofe de Dylan
Take me on a trip
upon your magic swirlin’
ship.
My senses have been stripped,
my hands can’t feel to grip,
my toes too numb to step
wait only for my boot heels
to be wanderin’.
I’m ready to go anywhere,
I’m ready for to fade
into my own parade.
Cast your dancing spell my
way,
I promise to go under it.
A
letra da canção de Dylan, extensa e complexa, é apresentada
na
gravação dos Byrds apenas parcialmente. É evidente que
apresentar
isoladamente uma estrofe da canção de Dylan ao invés
das
quatro estrofes da letra completa dirige a leitura de Mr. Tambourine
Man num
sentido específico e mais restrito. A gravação
do
Byrds apresenta ao público apenas cerca de um quarto da letra.
Outro
elemento que deve ser considerado nessa gravação é o arranjo:
na
gravação dos Byrds, o refrão é cantado em coro, diferentemente
do
arranjo de Dylan, que em sua gravação canta sozinho
a
letra. Como dissemos, a gravação dos Byrds para essa canção
(assim
como a de outras canções do álbum) apresenta um estilo que
se
aproxima da chamada música folk
norte-americana.
Ao
reduzir a letra da canção para cantar apenas o refrão e uma
estrofe,
grande parte das imagens poéticas e sentidos complexos
que
a letra completa de Dylan apresenta não são apresentados pelos
Byrds.
E ao gravarem essa canção em estilo folk, fica evidente a intenção
de
fazer com que ela seja ouvida e compreendida como uma
canção
folk; estilo que havia marcado os primeiros álbuns de Bob
Dylan.
Entretanto, o próprio Dylan não se sentia mais
pertencente
a
esse estilo. O fato de o álbum dos Byrds apresentar canções de
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
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Maiaty
Saraiva Ferraz
Pete
Seeger, artista folk, também contribuiu para que a gravação
de
Mr. Tambourine Man feita por eles soasse e fosse compreendida
como
uma canção folk, embora a canção de Dylan não o seja, como
uma
leitura da letra total evidencia.
A
gravação de compactos da canção também constitui elemento
de
refração, pois reforça a ideia de que aquela seria a canção original
completa
de Dylan, embora não fosse.
Os
Byrds contribuíram muito para tornar a canção conhecida
pelo
público estadunidense e de outros países. A trajetória das versões/
adaptações
gravadas de Mr. Tambourine Man no Brasil foi,
por
sua vez, mediada pela gravação dos Byrds.
As
canções traduzidas recebem no mercado musical brasileiro o
nome
de “versões”. No caso de Mr.
Tambourine Man foram utilizados
os
termos “versão” e “adaptação” pelos compositores que as
traduziram
e gravaram. As gravações de versões brasileiras dessa
canção
realizadas até o presente momento são as seguintes:
• Mr.
Tambourine Man, gravada por Renato e seus Blue
Caps
com
Zé Ramalho (1981), versão de Gileno;
•
“Sr. Camelô”, gravada
pelo grupo Hallai (1987), versão de
Necão
Castilhos;
• Mr.
Tambourine Man, gravada por Zé Geraldo (2007),
versão
de
Gileno com adaptação de Zé Geraldo; incluída no
álbum
Catadô de Bromélias.
•
“Mr. Do Pandeiro”, gravada por
Zé Ramalho (2009), versão
de
Braulio Tavares, incluída no álbum Tá
Tudo Mudando
- Zé Ramalho Canta Bob Dylan.
A
primeira tradução para ser cantada que a canção Mr. Tambourine
Man recebeu
no Brasil, de Gileno, foi gravada por Renato e
seus
Blue Caps com Zé Ramalho, e data de 1981. Observamos um
intervalo
de dezesseis anos entre a gravação original de Dylan e da
gravação
dessa primeira versão brasileira. A influência da “refração
intralingual”
realizada pela gravação dos Byrds pode ser detectada
por
diversas características do arranjo e da letra nessa versão.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
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Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
De
maneira semelhante à gravação dos Byrds, o arranjo tem
a
letra do refrão cantada em coro, instrumentação com guitarra e
bateria
em ritmo de rock, reproduz o riff
de guitarra da gravação
dos
Byrds.
Esses elementos apontam sem muita margem a
dúvidas
para
uma recepção de Dylan mediada pela gravação dos Byrds. A
letra
traduzida por Gileno tem, assim como a refração de Dylan
pelos
Byrds, a estrutura de refrão, uma única estrofe e novamente
o
refrão.
Seguem as letras do refrão e da estrofe única:
Refrão
Hey,
Mr. Tambourine, toque
uma
canção
Que
me deixe flutuando sobre
o mundo
Hey, Mr. Tambourine Man,
toque
mais pra mim
Quero
estar voando em notas
pelo
mundo
Estrofe única
Nesta
mágica viagem que me leva
pelo
céu
Entre
estrelas de papel
Pelo
céu da minha boca eu vou
cantando
Em
nuvens de fumaça, como
novelos
de lã
E
tô pronto pra partir
Mesmo
pra qualquer lugar
Quero
mais é esquecer o hoje até
amanhã
Na
letra em português, podemos observar várias diferenças em
relação
à letra da canção de Dylan para o refrão e as estrofes.
A
primeira,
já mencionada, é que a letra completa de Dylan possui
quatro
estrofes intercaladas pelo refrão. Na gravação dessa versão
traduzida,
temos o refrão cantado no início e no final da canção e
apenas
uma estrofe.
Nessa estrutura, a versão de Gileno coincide
com
a gravação dos Byrds, mas apresenta diferenças na letra. Um
contraste
entre a tradução do refrão e a letra original revela que o
sentido
dos versos sofre diversas manipulações. Nas letras alinhadas,
segmentos
destacados são aqueles em que há coincidência de
significados
de superfície entre a letra-fonte e a letra-meta:
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 110
Maiaty
Saraiva Ferraz
Refrão de Dylan (e Byrds) Refrão da versão de
Gileno
Hey! Mr. Tambourine
Man,
play a song for me
Hey, Mr. Tambourine
Man , toque
uma canção
I’m not sleepy and
there is no
place I’m going to
Que
me deixe flutuando sobre o
mundo
Hey! Mr. Tambourine
Man,
play a song for me
Hey, Mr. Tambourine
Man, toque
mais pra
mim
In the jingle
jangle morning
I’ll
come followin’ you.
Quero
estar voando em notas pelo
mundo
Na
tradução do refrão, privilegia-se o verso “Hey!
Mr. Tambourine
Man, play a song for me”, que por sua repetição no refrão
e
por conter o título da canção, tem especial destaque na letra em
inglês.
Provavelmente porque a tradução palavra por palavra completa
desse
verso não se ajustaria bem às notas da frase melódica
original,
na versão em português não se repete a mesma tradução
para
esse verso nos versos 1 e 3. No verso 1 se traduz o segmento
“play a song”
(“toque uma canção”) e um segmento havia ficado
de
fora: “for me” (“[toque] pra mim”). Descarta-se, na letra de
Gileno,
a
declaração que o “eu” enunciador faz de seu estado insone
(“I’m not sleepy”) e de sua ausência de rumo (“There is no place
I’m going to”)
no segundo verso. Com isso, a versão seleciona e
prioriza
a temática do poder de encantamento e evasão agradável
da
realidade que têm as canções (um tipo de evocação elogiosa da
música),
apenas uma das temáticas inter-relacionadas na complexa
teia
da letra de Dylan.
Quanto
à estrofe única da versão de Gileno, considerando a
divisão
em versos a partir das frases melódicas em que é cantada
a
letra em inglês, o alinhamento de versos entre ela e a segunda
estrofe
de Dylan poderia ser apresentado como segue:
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 111
Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
Estrofe de Dylan gravada
pelos Byrds (segunda)
Estrofe da versão de Gileno
Take me on
a trip upon
your
magic
swirlin’ ship.
Nesta mágica viagem que me leva
pelo céu
My senses have been
stripped, entre
estrelas de papel
my hands can’t feel to
grip,
my toes too numb to step
wait only for my boot
heels to
be wanderin’.
pelo
céu da minha boca eu vou
cantando,
I’m ready to go anywhere, I’m
ready
for to fade
em
nuvens de fumaça como
novelos
de lã
into my own parade. e tô
pronto pra partir
Cast your dancing
spell my
way,
mesmo pra qualquer lugar.
I promise to go under
it. Quero mais é esquecer o hoje até
amanhã.
Na
estrofe de Gileno, nota-se um tratamento da tradução similar
ao
visto no refrão, em termos do que se prioriza ou se
descarta
das temáticas e recursos da letra de Dylan.
Se a compararmos
com
a gravação dos Byrds, algumas correlações semânticas
reforçam
a hipótese de que a versão brasileira partiu dela: a
versão
se inicia a partir da mesma segunda estrofe de Dylan que
os
Byrds selecionaram. Assim, a imagem principal da estrofe em
português
é a de uma viagem mágica. Comparada com a estrofe
em
inglês, a versão trabalha seletivamente, retomando apenas a
imagem
da viagem (“take me on a trip”/ “nesta ... viagem que
me
leva”) e utilizando a palavra “mágica” (“magic”) em relação
com
essa viagem para compor uma imagética fantástica, surreal.
No
entanto, “mágica” aparece adjetivando a própria palavra
“viagem”,
ao passo que na letra em inglês, “magic” é adjetivo
para
“ship” (barco, nave, nau). O “barco rodopiante” (“upon
your swirlin’ ship”) e mágico como veículo da viagem é descartado
na
versão em português, e a ideia da magia se transpõe para
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 112
Maiaty
Saraiva Ferraz
a
viagem em si, num tipo de condensação dos sentidos do verso
da
letra-fonte em que a relação lógica é clara: uma viagem feita a
bordo
de um barco mágico rodopiante é uma viagem mágica.
Não
traduzir
“em teu barco rodopiante” permite ganhar o espaço valioso
de
muitas notas no verso melódico. O segmento “I’m
ready
to go anywhere” é traduzido quase totalmente palavra por palavra
em
“tô pronto pra partir mesmo pra qualquer lugar”.
A
ideia de viagem “pelo céu”1 não aparece em nenhum dos
versos
da segunda estrofe de Dylan, embora haja, em outras estrofes
da
letra completa de Mr. Tambourine Man, menções ao céus ,
especialmente
na quarta estrofe, em que também se trata de um céu
noturno
(um céu de diamantes, imagem que evoca, no brilho dos
diamantes,
a luz das estrelas).Também no caso das “nuvens de fumaça
como
novelos”, a motivação pode estar no segmento que fala
de
“anéis de fumaça da mente” na quarta estrofe de Dylan (“Then
take me disappearin’
through the smoke rings of my mind”). A
inclusão
de elementos da quarta estrofe de Mr.
Tambourine Man
na
versão em português é inequívoca na tradução quase palavra
por
palavra do último verso daquela estrofe, “Let
me forget about
today until tomorrow” (em “Quero mais é esquecer o hoje até amanhã”).
Comparando
a estrofe da primeira versão em português com
a
quarta estrofe da letra de Dylan, temos as seguintes relações entre
elas
(em destaque):
Quarta estrofe de Mr.
Tambourine Man
Estrofe da versão de Gileno
Then take me
disappearin’
through the smoke rings of
my
mind.
Nesta
mágica viagem
que
me leva pelo céu
down the foggy ruins of time, entre estrelas
de papel
1
(Na terceira estrofe: “but
for the sky there is no fences facin’’”,
e especialmente a imagem
de
um céu estrelado ou “céu de diamantes” na quarta estrofe de Dylan:”Yes, to dance
beneath the diamond
sky”).
Cad. Trad.,
Florianópolis, v. 37, nº 2, p. 101-131, mai-ago 2017 113
Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
far past the frozen
leaves,
the haunted, frightened
tress,
out to the windy beach,
far from the twisted
reach
of crazy sorrow.
pelo céu da
minha boca
eu vou cantando,
Yes, to dance
beneath the
diamond sky
with one hand waving
free,
em nuvens de fumaça
como novelos de lã
silhouetted by the
sea, e tô
pronto pra partir
circled by the circus
sands, mesmo
pra qualquer lugar.
With all memory and
fate
driven deep beneath the waves
Let me forget about today
until
tomorrow.
Quero mais é esquecer o hoje até
amanhã.
Essa
análise das correlações semânticas mostra que a versão
de
Gileno resgata mais ou menos na mesma medida elementos da
segunda
e da quarta estrofes da letra de Mr.
Tambourine Man de Dylan.
Quanto aos versos que parecem ser totalmente
descartados
de
ambas as estrofes, eles são principalmente partes da letra da
canção
que focalizam elementos e imagens de conotação negativa
ou
ao menos desconfortável, dos quais o “eu” gostaria de se afastar,
ao
menos momentaneamente, para uma suposta situação mais
confortável
e agradável (ainda que de fuga) que a canção do Mr.
Tambourine Man poderia propiciar-lhe ao segui-la num tipo de
viagem
mágica de esquecimento do “hoje” e de sua situação atual
de
descaminho, entorpecimento e memórias “ruinosas” e “assustadas”
de
um passado, de um “crazy sorrow”. Esse é um ponto de
contato
entre os versos de Dylan que ficara de fora na versão da
estrofe
e no verso descartado do refrão (“I’m
not sleepy and there
is no place I’m going
to”).
A
temática de desconformidade do “eu” enunciador com sua
situação
presente e real fica atenuada tanto na refração intralingual
dos
Byrds quanto na interlingual gravada por Renato e seus Blue
Caps,
mas ainda mais nesta última, em que ela só aparece sugerida
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p. 101-131,
mai-ago 2017 114
Maiaty
Saraiva Ferraz
num
dos versos, na expressão do desejo de esquecer o hoje. Nesse
sentido,
a versão em português leva mais longe a direção de releitura
imprimida
pela refração dos Byrds, que descartava as estrofes
com
mais densidade de imagens representativas da situação desconfortável
e
de desconformidade do “eu” da canção.
Julgamos
que essas características da tradução fazem com que
a
canção seja ouvida e compreendida de maneira diferente da canção
de
Dylan. Assim como na refração intralingual realizada pelos
Byrds,
a versão de Gileno dirige de forma específica a recepção
da
canção. Por fim, consideramos esta versão em português uma
“refração
interlingual” mediada por uma “refração intralingual”.
Conceito e visão geral de Retradução
Em
sua introdução para a edição especial de Target
– International
Journal of Translation
Studies intitulada
Voice
in Retranslation
(2015,
p.3-23), as autoras Alvstad e Rosa abordam conceitos
gerais
sobre a questão da retradução. As autoras citam Koskinen e
Paloposki
(2010, apud ALVSTAD; ROSA, 2015, p.7) que apontam
a
retradução como uma segunda tradução de um produto ou
uma
tradução que tenha sido precedida por outra. Essas autoras observam
também
a possível existência, embora não muito comum,
de
duas traduções do mesmo texto realizadas em simultaneidade
temporal.
Alvstad
e Rosa (2015, p.8) ressaltam que a retradução pode ser
abordada
em termos de sua história “interna” e sua história “externa”.
A
história “interna” se aborda mediante a análise linguístico-
-textual
dos textos e as reformulações por que passam ao longo das
retraduções.
A história “externa” se traça por meio da identificação
de
obras, da determinação da frequência com que ocorrem as retraduções,
além
de outras questões contextuais (a partir de sugestões
do
Gottingen Project, citado por ALVSTAD; ROSA, 2015. P. 8).
As
autoras acima citadas ressaltam ainda a aplicação do “Five
W’s and One H approach”, abordagem em que são investigadas
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 115
Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
cinco
perguntas relativas à retradução: O quê? Quem? Onde?
Quando?
Por quê? Como? (What?
Who? Where? When? Why?
How?)
e apontam autores que já contribuíram para sua formulação
e
utilização na historiografia da tradução, como Gambier, Venuti,
Pym,
entre outros.
Alvstad
e Rosa (2015, p. 17) apresentam um perfil das variáveis
e
categorias mais relevantes para o estudo das “vozes em retradução”,
do
qual citamos e destacamos de maneira resumida: o número
e
tipo de textos para retradução (desde um único texto-fonte até
várias
traduções já existentes); a relevância dos textos utilizados
para
a retradução (considerados como primários ou secundários,
ocasionais
ou frequentes no processo); a apresentação da retradução
(apresentação
explícita ou não de paratextos, a identificação
explícita,
implícita ou não identificação como retradução, além de
rótulos
paratextuais como “nova tradução”, “nova versão”, “nova
edição”
e outros); em relação com traduções pré-existentes (assimiladora
ou
confrontante); em competição pelo mesmo público (retraduções
ativas
ou passivas); o intervalo de tempo em relação ao
texto-fonte
(“hot” e “cold
translation”) e em relação a traduções
pré-existentes
(“hot” e “cold
retranslation”); o status dos retradutores
(um
único tradutor, equipe de tradutores, autotradução, tradutor
frequente
ou ocasional); vozes textuais (vozes de narradores,
personagens,
autores, paráfrases, citações, que podem ser analisadas
em
retraduções); e vozes contextuais (paratextos, entrevistas,
críticas,
diários, correspondências, rascunhos etc.).
Julgamos
que tanto o conceito de “retradução” apresentado por
Alvstad
e Rosa (2015, p. 3-23) quanto os elementos abordados por
elas
em sua visão geral são interessantes para abordar as retraduções
da
canção Mr. Tambourine Man realizadas no Brasil.
Retraduções de Mr. Tambourine Man no Brasil
Além
da gravação de Mr. Tambourine Man, por Renato e seus
Blue
Caps com Zé Ramalho (1981), apresentada com o título de
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 116
Maiaty
Saraiva Ferraz
“versão”
e traduzida por Gileno, outras três gravações de versões
dessa
canção foram posteriormente realizadas, das quais trataremos
segundo
sua sucessão cronológica.
A
tradução de Necão Castilhos que o grupo Hallai gravou da
canção
Mr. Tambourine Man em 1987, intitulada como “versão”,
recebeu
o nome de “Sr. Camelô”. Essa retradução da canção apresenta
o
refrão da canção intercalado a três estrofes. A gravação do
grupo
Hallai também apresenta o refrão cantado em coro, como na
gravação
dos Byrds, mas o arranjo difere em outros aspectos.
O
grupo
incluiu o som de uma gaita de boca no arranjo e fez pequenas
alterações
na melodia, como explica o próprio Necão Castilhos
(HALLAI,
2009):
(...)Levei
6 meses para aprontar a letra e colocá-la em (E)
mi
maior, O original é em (D), ré maior. Aquele novo tom
deu
uma “cara” Hallai à música, tirou aquele toque solo
americano
e revitalizou a canção que ficou feita para vocal
Hallai.
A liberação da editora que detinha os direitos da
canção
foi demorada, eles custaram a remeter à gravadora
o
documento de autorização. Foi estudada cada palavra da
adaptação.
(...).
Na
versão de Castilhos, Mr. Tambourine Man se
traduz, tanto
no
título da canção como no refrão, como “Sr. Camelô”. Castilhos
(HALLAI,
2009) explica essa tradução dizendo que “na verdade
era
um simbolismo daqueles jovens que vendiam drogas (chocolate
/cabeça de CACAU 90 ... em
GREENWICH VILLAGE dentro de um pandeiro,
pelas
ruas do bairro”. Abaixo, alinhamos a letra do refrão
em
inglês e o da retradução de Castilhos:
Refrão de Dylan Refrão de Castillos
Hey! Mr. Tambourine
Man,
play a song for me.
Hey,
Sr. Camelô, toque uma
canção
pra mim.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 117
Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
I’m not sleepy and
there is no
place I’m going to.
Estou
sem sono e não tenho para
onde ir.
Hey! Mr. Tambourine
Man,
play a song for me.
Hey,
Sr. Camelô, toque uma
canção
pra mim.
In the jingle jangle
morning
I’ll come followin’
you.
Na
manhã ruidosa
eu
irei contigo.
o
refrão por Castilhos é notavelmente mais próxima
dos
significados palavra por palavra da letra-fonte, se comparada
com
sua antecessora, de Gileno.
Para isso foram necessários
alguns
desdobramentos de notas mais longas da melodia original
em
notas mais breves, e esse procedimento também caracteriza
a
tradução das estrofes, sendo especialmente notável (a ponto de
comprometer
a “cantabilidade”) no verso “e a velha rua vazia está
demasiada
morta para sonhar”.
No restante da letra traduzida gravada
pelo
grupo Hallai há mais manipulações semânticas em relação
à
letra em inglês, com destaque para a diferença no número
de
estrofes: três, em vez de quatro. A letra da tradução feita por
Castilhos
apresenta as seguintes estrofes (alinhadas segundo as frases
melódicas
em que são cantados os versos da letra de Dylan):
Primeira estrofe de Dylan Primeira estrofe de
Castilhos
Though I know that evenin’s
empire
Embora
saiba que o império
has returned into sand,
da noite se desfez em areia,
vanished from my hand,
me escapou por entre os dedos,
Left me blindly here
to stand
me
deixou aqui cego
but still not sleeping. mas ainda sem dormir.
My weariness amazes me,
O meu cansaço espanta-me,
I’m branded on my
feet,
mas
tenho as pernas firmes,
I have no one to meet
só
não tenho ninguém pra ver
And the ancient empty
street’s
e
a velha rua vazia
too dead for dreaming.
está demasiada morta pra sonhar
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 118
Maiaty
Saraiva Ferraz
Segunda estrofe de Dylan Segunda estrofe de
Castilhos
Take me on a trip
Leva-me em viagem
upon your magic
swirlin’ ship.
no
teu estonteante barco mágico.
My senses have been
stripped,
Estou
pronto a ir para qualquer
lado,
my hands can’t feel to
grip,
estou pronto a desaparecer.
my toes too numb to
step
wait only for my boot
heels
Lança
o teu encantamento
to be wanderin’.
que
eu prometo segui-lo.
I’m ready to go
anywhere,
Os
meus pés estão pesados;
I’m ready for to fade
as minhas mãos, vazias;
into my own parade.
os meus sentidos, amarrados.
Cast your dancing
spell my
way,
O meu tambor de palhaço,
esfarrapado,
I promise to go under
it.
embora
possa ouvir danças loucas
ao
sol.
A
segunda estrofe de Castilhos segue palavra por palavra os dois
primeiros
versos da segunda estrofe de Dylan, antecipa a tradução
palavra
por palavra de “I’m ready to go anywhere,
I’m ready for to
fade”
para o quarto e o terceiro versos, descarta o segmento “into
my own parade”, antecipa para o lugar do quinto e sexto versos
cantados
por Hallai uma tradução condensada de “Cast
your dancing
spell my way”
em
“Lança
o teu encantamento” e traduz palavra
por palavra “I
promise to go under it”,
que
na estrofe de Dylan
são
os últimos versos. Toda a descrição do torpor de sentidos e
imobilidade
que vai dos versos “My senses” até “too
numb to step”
se
desloca para o início da segunda metade da estrofe, com algumas
condensações,
deslocamentos e modulações de significados.
O
segmento “wait
only for my boot heels to be wandering” é descartado
na
tradução. Os dois versos finais da estrofe de Dylan, que
haviam
sido antecipados, dão lugar a uma antecipação de versos e
imagens
da terceira estrofe da letra em inglês. Os versos iniciais da
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 119
Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
terceira estrofe
“Though you might hear laughin, spinnin’, swingin
madly across the sun” são condensados em ‘”embora possa ouvir
danças
loucas ao sol”.
“It’s
just a ragged clown behind”,
mais ao
final
da terceira estrofe, e algumas ideias dos dois versos que o
antecedem
são reconfigurados e condensados em
“O
meu tambor
de
palhaço, esfarrapado”
no penúltimo verso da segunda estrofe da
gravação
de Hallai. As demais partes da terceira estrofe de Dylan
são
descartadas, de modo que a terceira estrofe de Castilhos trabalha
principalmente
sobre a quarta estrofe de Dylan.
Quarta estrofe de Dylan Terceira estrofe de
Castilhos
Then take me
disappearin’
Pelas ruínas do tempo,
through the smoke
rings of my
mind,
bem além das folhas geladas,
down the foggy ruins of time,
distante do alcance da mente,
far past the frozen leaves,
longe
de uma tristeza louca.
the haunted,
frightened trees,
out to the windy
beach,
far from the twisted reach of
crazy
sorrow.
Recortado pelo mar de areias
circences.
Yes, to dance beneath the
diamond
sky,
Camelô
das praias ventosas
with one hand waving free,
e
de todas as esquinas do mundo,
Silhouetted by the sea.
coloque à venda de imediato
circled by the circus sands,
todos os
sonhos
da mente
With all memory and fate
driven deep beneath the
waves,
Let me forget about
today until
tomorrow.
Assim
eu esqueço o dia de hoje até
amanhã.
Estão
em itálico no alinhamento acima os versos que têm significados
traduzidos
palavra por palavra ou recuperados parcialmente
.
Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p. 101-131,
mai-ago 2017 120
Maiaty Saraiva Ferraz
na letra de Castilhos. Nos dois casos, muitas
vezes eles estão
deslocados para outros versos cantados. O que
não aparece em itálico
na quarta estrofe de Dylan foi descartado. O que
não aparece
em itálico na terceira estrofe de Castilhos foi
acrescentado à letra
em inglês. A ideia de que o Sr. Camelô vende sonhos nas esquinas
do mundo parece derivar do recorte
interpretativo que Castilhos
faz para a rede de imagens surrealistas de
Dylan: a de que a letra de
Mr. Tambourine Man fala da fuga da realidade pelo uso de drogas
alucinógenas. Assim, os versos finais
acrescentados por Castilhos
praticamente conduzem a leitura da letra de
Dylan nessa direção,
em detrimento do componente de apologia que Mr. Tambourine
Man faz da música, do ritmo e da dança, até mais
reiterados nos
campos semânticos da letra em inglês que os
elementos que poderiam
ser lidos por alusão a drogas.
Por todos esses elementos, julgamos que a
retradução de Castilhos
gravada pelo grupo Hallai apresenta um caráter
híbrido ( formado pelo cruzamento de ideias entre necão castilhos & bob dylan ).
tradução bastante literal com apropriação. Como
refração, ela não
parece mostrar a forte mediação da gravação dos
Byrds que se evidenciava
na versão gravada por Renato e seus Blue Caps,
no que se
refere ao tratamento da letra: mostra-se
diretamente pautada pela
letra completa de Dylan.
Outra retradução de Mr. Tambourine Man foi gravada por Zé
Geraldo em 2007, em seu álbum Catadô de Bromélias, feita a partir
da versão de Gileno e apresentada como adaptação
pelo próprio
Zé Geraldo. Consideramos anteriormente a versão
de Gileno (gravada
por Renato e seus Blue Caps) como uma refração
interlingual
de outra intralingual. Oportuno agora mostrá-la
lado a lado com a
de Zé Geraldo:
Versão de Gileno Adaptação de Zé Geraldo
Hey, Mr. Tambourine Man
,
toque uma canção
Ei, Mr. Tambourine Man , toca
uma canção
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 121
Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
Que me deixe flutuando sobre
o mundo
Tô sem sono e não tenho para onde
ir
Hey, Mr. Tambourine Man,
toque mais pra mim
Ei, Mr. Tambourine Man, toca
uma canção
Quero estar voando em notas
pelo mundo
Que me deixe flutuando sobre o
mundo
Nesta mágica viagem
que me leva pelo céu,
Nesta mágica viagem
que me leva pelo céu,
entre estrelas de papel, entre estrelas de
papel,
pelo céu da minha boca
eu vou cantando,
pelo céu da minha boca,
vou cantando,
em nuvens de fumaça
como novelos de lã
em nuvens de fumaça
feito um novelo de lã,
e tô pronto pra partir estou pronto pra partir,
mesmo pra qualquer lugar. seja pra qualquer
lugar.
Quero mais é esquecer o hoje Quero mais é
esquecer o hoje
até amanhã. e quem sabe o amanhã.
[Volta do refrão] [Volta do refrão]
Feito um lobo solitário
a vagar dentro da noite,
pelos cantos onde eu ando,
entre errantes e vadios,
entre loucos delirantes,
um bando de sozinhos,
é com eles que eu divido a minha
solidão.
É com eles que eu posso abrir o
coração,
mostrar minhas fraquezas,
falar da minha busca,
perdido na multidão,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 122
Maiaty Saraiva Ferraz
à espera de um sinal,
à procura de um olhar
que possa me mostrar de novo a
direção.
[Volta do refrão]
Contrastando as duas letras, podemos observar
que Zé Geraldo
fez alterações em relação ao refrão da versão de
Gileno. Zé Geraldo
não adota a forma vocativa “Hey”
em inglês, preferindo a forma
“Ei”, em português. Contudo, mantém a
estrangeirização “Mr.
Tambourine Man”, inclusive no título de sua adaptação. Ele
também
faz uma mudança no uso do imperativo, ao
utilizar “Toca uma
canção”, enquanto a versão de Gileno traz “Toque
uma canção”.
A primeira estrofe da adaptação de Zé Geraldo
trabalha com
pequenas alterações sobre a estrofe única da
versão de Gileno,
como uma supressão do pronome “eu”, a passagem
de um plural
(“novelos de lã”) para singular (“um novelo de
lã” na versão de Zé
Geraldo), e a substituição do comparativo “como”
por outro mais
marcadamente da fala: “feito”. No sentido
contrário, a forma mais
marcadamente oral “tô” é passada para “estou”
por Zé Geraldo.
O verso “mesmo pra qualquer lugar” é alterado
para “seja pra
qualquer lugar”. A conjunção “mesmo” é
substituída por uma
forma verbal (“seja”). Os dois versos finais da
estrofe de Gileno
“Quero mais é esquecer/O hoje até amanhã” são
modificados para
“Quero esquecer o hoje/E quem sabe o amanhã”,
havendo uma
alteração do sentido. É oportuno lembrar que a
tradução de Gileno
se aproxima mais dos versos da canção original
de Dylan (“Let me
forget about today
until tomorrow”).
A alteração mais significativa está no número de
versos que a
letra da adaptação de Zé Geraldo apresenta, com
a inserção de uma
estrofe longa que não estava na versão de
Gileno, e cujos versos não
podem ser considerados como tradução de
quaisquer versos da letra
de Dylan. No entanto, eles recuperam, desdobram
e focalizam especialmente
temáticas na letra original de Mr. Tambourine Man: a da
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 123
Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
loucura e a da solidão, num direcionamento da
interpretação de Mr.
Tambourine Man que não havia aparecido nas refrações
anteriores.
O arranjo da gravação de Zé Geraldo não possui
semelhança
com a gravação feita pelos Byrds. A letra é
cantada apenas pelo
compositor acompanhado de instrumentos de cordas
(violões e violino),
teclados e bateria. Quanto à existência de
paratextos, a letra
da adaptação está incluída no encarte do CD sem
acompanhamento
da letra original, mencionando a autoria de Bob
Dylan.
A retradução mais recente de Mr. Tambourine Man é “Mr. do
Pandeiro”, gravada por Zé Ramalho em 2008,
apresentada como
versão de Braulio Tavares, e incluída no álbum Tá Tudo Mudando
- Zé Ramalho Canta Bob Dylan. Esse álbum é um tipo de antologia
na qual Zé Ramalho grava versões de dez canções
de Dylan; algumas
vertidas apenas por ele, outras em parceria com
outros compositores
(Babal, Mauricio Baia) e algumas vertidas
somente por outros
compositores (Mauricio Baia, Gabriel Moura,
Babal, Caetano
Veloso, Péricles Cavalcante, Braulio Tavares,
Geraldo Azevedo).
O álbum tem também uma gravação cover de Zé Ramalho para a
canção de Dylan “If
Not For You”.
Merece comentário a questão dos paratextos desse
álbum, lançado
em formato de CD. O CD apresenta referências
visuais relevantes:
a capa do encarte de Zé Ramalho Canta Bob Dylan – Tá Tudo
Mudando faz uma alusão ao vídeo clip de “Subterranean Homesick
Blues”,
em que Dylan, parado, em pé, vai soltando cartazes de papel
com fragmentos da letra da canção. Ramalho
aparece em foto numa
cena alusiva (incluindo a vestimenta e o cenário
ao fundo), segurando
nas mãos um cartaz onde se lê “Tá Tudo Mudando”,
título da
versão de “Things Have Changed”, que também faz parte do álbum.
Dentro do encarte estão impressas as letras das
versões gravadas por
Zé Ramalho, apresentadas com cada verso seguido
de uma barra,
numa disposição linear, sem distinção de refrão
ou estrofe. Contudo,
no site
oficial de Zé Ramalho as
letras são apresentadas de maneira
convencional, numa disposição em versos, com
separação entre as
estrofes e o refrão. Cada página do encarte
apresenta uma elaboração
artística, e a direção, concepção e realização
artística ficam a
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 124
Maiaty Saraiva Ferraz
cargo de LaStudio, Leka Coutinho, Rony Corrêa e
demais artistas
creditados. O encarte conta também com o texto
crítico intitulado
“Ramalho Dylan: Zé Zimmerman da Paraíba”,
escrito pela crítica
musical e jornalista Ana Maria Baiana.
O título da versão de Braulio Tavares para a
canção, “Mr. do
Pandeiro”, representa uma domesticação. O refrão
leva a adaptação
cultural mais longe, incluindo na tradução uma
referência à
figura de Jackson do Pandeiro:
Refrão de Dylan Refrão de Braulio Tavares
Hey! Mr. Tambourine
Man,
play a song for me
Hey, mister do pandeiro, toque
para mim!
I’m not sleepy and
there is no
place I’m going to
Não estou com sono e não tenho
onde ir
Hey! Mr. Tambourine
Man,
play a song for me
Hey, Jackson do
Pandeiro, toque
para mim!
In the jingle jangle
morning I’ll
come followin’ you.
Entre as canções desta manhã, eu
poderei te seguir.
Na versão de Braulio Tavares, Mr. Tambourine Man não é apenas
“Mr. do Pandeiro”, ele é também Jackson do
Pandeiro, músico
nascido na Paraíba em 1919, um dos responsáveis
pela divulgação
do forró no sudeste do Brasil. A referência ao
artista nordestino
brasileiro caracteriza a leitura que Tavares faz
da canção de Dylan:
o Tambourine
Man tem nome e sobrenome, é de
carne e osso, e
é brasileiro. A gravação de Zé Ramalho
apresenta, na introdução
e no final, uma batida de pandeiro, dando um
destaque ao som do
instrumento. Essa representação do Tambourine Man numa figura
real é uma interpretação da canção por um viés
cultural, associando
a figura da canção à realidade do nosso país.
Tavares opta por
domesticar a figura do tocador de pandeiro de
Dylan.
A tradução da letra de Mr. Tambourine Man realizada por Braulio
Tavares é a única versão brasileira que
apresenta o mesmo nú Cad.
Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p. 101-131,
mai-ago 2017 125
Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
mero de estrofes que a letra de Dylan e, dentro
de cada uma delas,
o mesmo número de frases melódicas versificadas,
exatamente com
o mesmo aumento progressivo ao longo das
estrofes que ocorre na
canção de Dylan. Nesse sentido, é como um ápice
das versões de
Mr. Tambourine Man, que vão progressivamente aumentando o
número de estrofes, versos e temáticas
incorporados com relação à
letra completa em inglês. Também é um ponto alto
no tratamento
conjunto de letra e música, na completude no
tratamento das imagens,
metáforas e temáticas de Dylan na letra de Mr. Tambourine
Man,
seguindo de perto as imagens e as temáticas, ao mesmo tempo
em que resgata os retornos de sonoridade vocal
(especialmente
os feitos por rimas finais) e no ter em conta a
“cantabilidade” e a
naturalidade do verso cantado em português,
fazendo lembrar da
terceira fase “evolutiva” das várias traduções
de um mesmo texto
proposta por Goethe.
Reproduzimos abaixo as estrofes traduzidas
acompanhadas do
texto original da canção:
Primeira estrofe de Dylan Primeira estrofe de
Braulio
Tavares
Though I know that evenin’s
empire
Sei que, à noite, seus impérios
has returned into sand, desmoronam sobre o chão
vanished from my hand, ao toque das minhas mãos.
Left me blindly here to stand Eu só enxergo na manhã
but still not sleeping. um sol de assassinar.
My weariness amazes me, O cansaço me atordoa
I’m branded on my feet, enquanto eu ando para o além,
I have no one to meet procurando por ninguém
And the ancient empty street’s em velhas ruas, já desertas,
too dead for dreaming.
sem
poder sonhar.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 126
Maiaty Saraiva Ferraz
Segunda estrofe de Dylan Segunda estrofe de
Braulio
Tavares
Take me on a trip Me leve nas viagens
upon your magic
swirlin’ ship. do seu mágico navio.
My senses have been stripped, Eu já cansei deste vazio.
my hands can’t feel to grip, As minhas mãos tremem de frio,
my toes too numb to step mas os meus pés, que o chão feriu
wait only for my boot heels ainda têm forças pra seguir
to be wanderin’. o teu caminho.
I’m ready to go anywhere, Eu irei onde você quiser
I’m ready for to fade pelas rotas que tracei.
into my own parade. Se o teu canto eu escutei.
Cast your dancing
spell my
way,
enfeitiçado eu fiquei,
I promise to go under it. e sei que já não vou seguir
sozinho.
Terceira estrofe de Dylan Terceira estrofe de
Braulio
Tavares
Though you might hear
laughin’, spinnin’,
Se uma gargalhada louca
swingin’ madly across
the sun, esvoaçar pela amplidão
it’s not aimed at
anyone, e ecoar sem direção,
it’s just escapin’ on the run alguém vai pensar que são
and but for the sky, as
muralhas do horizonte
there are no fences facin’. a desabar.
And if you hear vague traces E se alguém ouvir o eco
of skippin’ reels of rhyme de uma canção feita em pedaços,
to your tambourine in
time, ressoando nos espaços,
it’s just a ragged
clown behind, é só a voz deste palhaço,
I wouldn’t pay it any
mind, que canta enquanto segue os passos
it’s just a shadow de uma sombra
you’re seein’ that he’s chasing. que ele vive a procurar.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 127
Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
Quarta estrofe de Dylan Quarta estrofe de
Braulio
Tavares
Then take me
disappearin’ Vou sumir por entre a névoa
through the smoke
rings of my
mind,
de um delírio enfumaçado,
down the foggy ruins of time, entre as ruínas do passado
far past the frozen leaves, deixo a folhagem glacial
the haunted, frightened trees, de um bosque branco e sepulcral,
out to the windy beach, vou para um mar de vendavais,
far from the twisted
reach of
crazy sorrow.
longe das garras da tristeza e da
aurora.
Yes, to dance beneath
the
diamond sky,
Sob um céu de diamantes
with one hand waving free, vou dançar como um menino,
Silhouetted by the sea. entre o oceano cristalino
circled by the circus sands, e um circo errante e peregrino,
With all memory and fate deixo as memórias e o destino
driven deep beneath the waves, sumir num abismo sem fim
Let me forget about
today until
tomorrow.
Quero, amanhã, lembrar que hoje
eu fui embora.
Os elementos da retradução de Tavares
anteriormente abordados,
como o refrão, o título da canção, o arranjo,
caracterizam-na
como uma transcriação, além do caráter de
domesticação pontual
no tratamento do refrão e do título e no ritmo
de samba com que se
ouve tocar um pandeiro em certo momento do
arranjo. É a refração
que apresenta a letra de Mr. Tambourine Man com abertura para
diversas interpretações de forma mais comparável
à que a canção
de Dylan oferece e que lhe valeu variadas
interpretações ao longo
do tempo.
Pretendemos que uma análise detalhada dos
elementos semânticos
e estílisticos da letra da tradução de Tavares,
Gileno, Necão
Castilhos e Zé Geraldo sob a luz dos aspectos
teórico-práticos da
tradução de canções seja objeto de outro texto
nosso.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 128
Maiaty Saraiva Ferraz
A letra da canção Mr. Tambourine Man está transcrita no site
oficial de Bob Dylan, disponível em:
http://bobdylan.com/songs/
mr-tambourine-man/
Considerações finais
Os estudiosos do campo dos Estudos da Tradução
têm buscado,
principalmente a partir do século XX, expandir e
complementar
cada vez mais as pesquisas em áreas novas ou
pouco estudadas,
contribuindo para tornar mais vísivel e
integrada a multidisciplinariedade
inerente à atividade tradutória, de modo que
mais
recentemente contamos com algumas propostas de
instrumental
mais específico para abordar a tradução de
canção para ser cantada,
assim como contribuem para seu estudo descritivo
teorias
e conceitos que não foram concebidos
especificamente para essa
modalidade de tradução, como é o caso dos
estudos da adaptação
e de certo instrumental do ramo descritivo
orientado à função (ou
ao contexto) proposto por Holmes (2004, p.
180-192) e da historiografia
da tradução.
A refração intralingual da canção Mr. Tambourine Man realizada
pelos Byrds em 1965 contribuiu para que fosse
construída uma
leitura bastante dirigida da canção, recortando
apenas sua temática
positiva de celebração da música, uma “imagem”
que não apresentava
a canção em toda sua complexidade. Um fator que
influiu na
divulgação da gravação dos Byrds foi ela possuir
uma duração mais
curta que a canção original. Naqueles dias, as
estações de rádio não
tinham como procedimento comum transmitir
canções longas; e a
televisão, ao exibir gravações de música também
preferia canções
breves (ou versões mais curtas de canções mais
longas), pois ainda
não se falava em “video clip” na época, e grande
parte das apresentações
para televisão recorriam à dublagem. Essas
gravações
para televisão eram registradas em videotape e
depois podiam ser
transmitidas em emissoras de TV no mundo todo.
Nesse contexto,
a gravação dos Byrds tornou-se a mais popular.
Essa maior poCad.
Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p. 101-131,
mai-ago 2017 129
Traduções de Mr. Tambourine Man no Brasil: da
refração à retradução
pularidade alcançada pela gravação dos Byrds fez
com que ela se
tornasse mais conhecida em nosso país nos anos
1960 e 1970 do
que a gravação do próprio Dylan. E foi essa
refração, essa “leitura”
da canção Mr. Tambourine Man que serviu de parâmetro para
a primeira versão dessa canção em português no
Brasil, gravada
pelo grupo Renato e Seus Blue Caps com a
participação de Zé Ramalho,
com grande intervalo de tempo com relação à
gravação dos
Byrds (e de Dylan). Seguem-se então as
“retraduções” da canção
de Bob Dylan: a gravada pelo grupo Hallai, a de
Zé Geraldo e a
gravação de Zé Ramalho. Cada uma dessas
retraduções apresentou
características próprias. Necão Castilhos, em
sua retradução
(gravada pelo grupo Hallai) escolhe fazer
pequenas alterações na
melodia e privilegiar a literalidade na tradução
da letra, a fim de
obter um resultado que considera mais próximo à
sonoridade do
grupo, numa tentativa de imprimir sua voz (seu
estilo) à tradução.
Podemos dizer que Zé Geraldo realizou uma nova
refração a partir
da refração dos Byrds, chamando-a de adaptação.
A retradução de
Braulio Tavares possui caráter de recriação, e é
a que atende mais
completa e minuciosamente à simbiose entre letra
e música, ao
mesmo tempo em que contempla mais
características formais e do
tratamento imagético da letra em sua totalidade.
Sua retradução,
que não segue os passos das anteriores, é a que
dialoga mais de
perto com a canção de Dylan; e consegue obter
uma inovação em
relação a elas ao inserir um elemento
domesticador, é um tipo de
ápice na apresentação de Mr. Tambourine Man de Dylan em português,
fechando o círculo.
Cada uma dessas gravações está inserida em um
contexto temporal
que a diferencia das demais, apesar da
existência de certa
intertextualidade, especificamente entre a
refração do Byrds e a de
Gileno, e entre esta e a regravação de Zé Geraldo.
Julgamos oportuno
lembrar que retraduções dessa canção não foram
realizadas
apenas no Brasil, o que contribui para
demonstrar a complexidade
de uma canção que, ao ser (re)traduzida,
atravessa diferentes processos
e resultados.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p.
101-131, mai-ago 2017 130
Maiaty Saraiva Ferraz
Referências
ALVSTAD, Cecilia; ROSA, Alexandra Assis. Voice
in Retranslation: An
overview and some
trends. TARGET International Journal of Translation Studies.
Special Issue Voice in
Retranslation, LOCAL, Volume 27, Issue 1, 2015, p.3-23.
DYLAN, Bob. Lyrics,
1962-1985. London: Grafton - An Imprint of HarperCollins
Publishers, 1993.
______. Mr. Tambourine
Man. In: Bringing it All Back Home. USA:
Columbia,1965. 1 disco sonoro, lado B, faixa 1.
______. Mr. Tambourine
Man. In: Bringing it All Back Home. USA: Columbia,
s.d. CD, faixa 8.
______. Mr. Tambourine
Man. Intérprete: The Byrds. In: The Byrds Play Dylan.
Rio de Janeiro: Columbia/Sony Music, s.d.. CD,
faixa 1.
______. Mr. Tambourine
Man. Intérprete: The Byrds. In: The Byrds Play Dylan.
São Paulo: Columbia/CBS, 1979. 1 disco sonoro,
lado A faixa 2.
______. Mr. Tambourine
Man. Intérprete: Renato e Seus Blue Caps. In: Mr.
Tambourine Man. São Paulo: Columbia/CBS, 1981. 1 disco sonoro
compacto
simples, lado A, lado B.
FRANZON, Johan. Choices
in Song Translation. Singability in Print, Subtitles
and Sung Performance. The
Translator, Volume 14, Number 2, 2008, 373-399.
GERALDO, Zé. Catadô de Bromélias. Direção geral Zé Geraldo. São Paulo: Sol
do Meio dia/Unimar Music, 2007, CD.
HALLAI. Disponível em
<http://hallai-hallai.blogspot.com/2009/07/bob-dylan.
html> Acesso em 16 fev. 2011.
______. Sr. Camelô. In: Sr. Camelô. São Paulo: 3M/BMG Ariola, 1987. 1 disco
sonoro, lado A, faixa1.
Cad.
Trad., Florianópolis, v. 37, nº 2, p. 101-131, mai-ago 2017 131__
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Referências
ALVSTAD,
Cecilia; ROSA, Alexandra Assis. Voice in Retranslation: An
overview and some trends. TARGET
International Journal of Translation Studies.
Special Issue Voice in
Retranslation, LOCAL, Volume 27, Issue 1, 2015, p.3-23.
DYLAN, Bob. Lyrics,
1962-1985.
London: Grafton - An Imprint of HarperCollins
Publishers, 1993.
______. Mr. Tambourine Man.
In: Bringing
it All Back Home. USA:
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1 disco sonoro, lado B, faixa 1.
______. Mr. Tambourine Man.
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it All Back Home. USA:
Columbia,
s.d.
CD, faixa 8.
______. Mr. Tambourine Man.
Intérprete: The Byrds. In: The Byrds Play Dylan.
Rio
de Janeiro: Columbia/Sony Music, s.d.. CD, faixa 1.
______. Mr. Tambourine Man.
Intérprete: The Byrds. In: The Byrds Play Dylan.
São
Paulo: Columbia/CBS, 1979. 1 disco sonoro, lado A faixa 2.
______. Mr. Tambourine Man.
Intérprete: Renato e Seus Blue Caps. In: Mr.
Tambourine Man. São Paulo: Columbia/CBS, 1981. 1 disco sonoro
compacto
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lado A, lado B.
FRANZON, Johan. Choices in
Song Translation. Singability in Print, Subtitles
and Sung Performance. The
Translator, Volume
14, Number 2, 2008, 373-399.
GERALDO, Zé. Catadô de Bromélias. Direção geral Zé Geraldo. São Paulo: Sol
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Meio dia/Unimar Music, 2007, CD.
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Disponível em <http://hallai-hallai.blogspot.com/2009/07/bob-dylan.
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Disponível em <https://
www.youtube.com/watch?v=PqssNUad6E4>
Acesso em 05 jan.2016.
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VENUTI, Lawrence (org.). The
Translation Studies Reader. 2 ed. New York and
London: Routledge, 2004.
ZÉRAMALHO
(site official). Disponível em <www.zeramalho.com.br>
Acesso
em 05 jan. 2016.
Recebido
em: 01/12/2016
Aceito
em: 16/02/2017
Publicado em maio de 2023
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