segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Depoimento ( 5 )

 hallai*hallai
VIVENDOLOGÍA DE LEE                        
Entrevistado: Necão Castilhos
Participam : Steffani Dias (fanni)
Lucas Ribeiro
Ananda Souza Morais (nanda)
Marco Silveira
Concerto n°3
Data 30*de abril* 1° de maio*1976
Local *Teatro Leopoldina * Porto Alegre*
                                                   
Sérgio*Robson*Paulinho*Necão

P/ Lucas – Como foi o dia seguinte (day after) do concerto do “Araújo”?
R/ Necão – Foi o seguinte assim...todo mundo que a gente encontrava na Rádio, nos saudava dizendo em” alto e bom som , HALLAI HALLAI” !
Era uma segunda feira e todo mundo estava na “Contí”, o Júlio estava mais falante do que nunca, mil planos , duas mil emoções , e o programa com a famosa vinheta da Lee em rodagem máxima ...Living The live of Lee... aquela vinheta cortava os céus da noite de Porto Alegre.

P/ Lucas – Nada pertence a ninguém mesmo, veja só, aquilo era no momento o verdadeiro, o novo ,o sorvete da hora ,o futuro já estava acontecendo, a vinheta era o hino dos músicos?

R/ Necão – Não tenho dúvida, a dualidade não tinha vez naquela segunda feira na “Continental”... era um lance inglês...ou um lance americano ...não sei ...mas a gente cantava em português ...um barato!

P/ Nanda – E o grupo como administrou tudo isso?

R/ Necão – No maior entusiasamo, o Sidão e o Paulinho estavam em festa ... apesar de todo o desgaste de muitos ensaios (todos dias)... tínhamos vencido aquelas barreiras todas e o grupo ficou mais forte. Guardei todos os recortes de jornais e segui a vida de Lee. (risos)

P/ Fanni – O terceiro Concerto, quanto tempo depois aconteceu , e o que vocês ficaram fazendo neste espaço?

R/ Necão – Custou muito a acontecer o” 3º Vivendo”.
Este espaço longo,(5 meses), dava uma certa aflição a todos, até os ensaios deixavam de acontecer, dava uma ressaca... e cada um vivia a vida de Lee a sua maneira, eu, Paulinho, íamos todas as noites na Continental, na hora do programa do Mr. Lee...depois ficávamos batendo papo com o Júlio, na subida da General...era cowboy pra cá...cowboy pra lá... cavalgávamos por todas as pradarías do velho oeste em busca da mocinha, sonhos e mais sonhos derramados na General Câmara... mas aí aconteceu a primeira ruptura no Hallai, faltando 2 meses para o concerto nº 3 , o Sidão, num belo dia, me disse, que não iría mais continuar no grupo. .Motivos particulares, viagens , certas incompatibilidades/ ... quer dizer, toda aquela estética que já vinha formada do Rio de Janeiro + Rodas de Som + Vivendo a Vida de Lee...estava para terminar, como de fato terminou.

P/ Lucas – Necão, que situação para um grupo vocal se realinhar de novo ?

Necão – Mas não era só isso, todo sistema do Hallai tinha sido montado para 3 violões e três vozes, mas o mais importante era o valor intrínsico, eu e o Sid, irmãos...o Paulinho, amigo da pré-adolescência... é difícil você formar alguma coisa nestes moldes...a mesma cidade ...o mesmo colégio...toda aquela visão estética que estava ao teu redor nos anos 60 e 70, e que aflorava em todos nós...tudo aquilo era grandioso,... de uma expressividade verdadeira.

P/ Lucas – É a história dos” Paralamas”, amigos de infância que sonhavam em fazer uma banda e continuam até hoje ...isto é raro ....eu entendo... as Bandas dos anos sessenta e setenta levavam isso até as últimas consequências, até pelas dificuldades que todas tinham em formar uma banda...era uma coisa mais ou menos assim...um pedaço de madeira tratado artisticamente transforma-se numa obra de arte; tratado a machado e rusticamente, torna-se uma racha de lenha.... , para tudo isso , só com amigos da mesma zona, dos mesmos papos, da mesma cidade, toda e qualquer dúvida , todos estavam próximos, no máximo era atravessar a rua e se encontrar.
Falando em” Paralamas” , tem uma música do Chuck Berry que diz o seguinte : -“ O cadillac vai correndo a 150 por hora / Paralama colado em paralama/ Lado a lado/ Mabellene por que você não é sincera? / ...é o caso necão...vocês tiveram que reduzir a velocidade?

R/ Necão – Me lembro que era um sábado, fui na casa do Paulinho e comuniquei a ele das novidades, concerto no “Teatro Leopoldina”, e que o Sidão não estava mais na banda... nós ficamos em silêncio, coisa rara entre nós (até hoje)...foi bem assim, peguei o violão e falei:- A saída é uma nova música , Paulinho pegou o” velho xerife”(violão), e juntos fizemos a música “cowboy”... esta canção trouxe com ela uma vibração que levava tudo a uma unidade de equilíbrio ...( -) engraçado , é que em situações que se repetiram depois , uma nova canção colocava tudo em seus devidos lugares... a música sempre nos salvou em situações de conflitos que foram muitos, no decorrer das estradas do Hallai.

P/ Fanni- Necão, como foi feita a segunda formação do Hallai... onde vocês encontraram esta terceira pessoa para continuar o Hallai , visto a deficiência de pessoas para agrupar num vocal ?

R/ Necão – No início foi complicado, me lembro que o Paulo chamou o Lauro , que já tinha tocado com ele, mas a coisa não rolou, não ficou Hallai, as vozes não afinaram, timbres diferentes, outra cabeça, enfim ...continuamos a ensaiar sem a terceira pessôa... depois o Paulinho me disse que conhecia um músico, que também já tinha tocado com ele...um rolo ... até que encontramos o Robson , que escutava a Continental, Mr. Lee, e gostava muito do Hallai Hallai...foi perfeito... o Mr. Robson era a pessoa que tinha nascido para ser um Hallai... ensaiamos , passamos todas as músicas, inclusive o “ Cowboy “ que tínhamos feito naquele momento dramático... e, que gravamos em seguida no estúdio da Continental , com o “missiê Anele. A coisa toda ficou pronta... e depois de algumas digressões... fizemos apresentação no Music Puc... em que o Julio foi o intermediário e nos colocou como novidade do” Mr. Lee In Concert “, que por sinal foi uma grande apresentação , onde , pela primeira vez tocamos a canção , que tinha o nome de “Pedro e Sara”,... a banda estava pronta para o terceiro “Vivendo a Vida de Lee” , no magnífico ( como dizia o Júlio ) Teatro Leoplodina.

P/ Marco – Mas foram( 4 )que se apresentaram no “Leopoldina “ ?

R/ Necão - Exatamente, o Sérgio , primo do Robson entrou na banda...Paulinho e Robson , achavam que faltava um baixo no Hallai... eu como purista do folk,
achava que não... mas diante de tanta argumentação... dei um sorriso de cerâmica... e disse :- Que venga el toro! ... e assim o Sérgio entrou na banda... foi legal... o Sérgio tocava violão e começou no Hallai, a aprender tocar baixo... o Paulinho e o Robson deram as aulas, e como o Sérgio tinha mão de baixista, rolou um belo baixo !

P/ Lucas – Mas... Necão, mudou tudo?

R/ Necão – Na verdade houve de minha parte uma ambiguidade...para explicar isto...vocês lembram quando os Beatles lançaram a música “Revolution”, pois bem , no Lp`, eles cantavam “ You can count me in” (/ Conte comigo para fazer a revolução/)...na versão do compacto, eles cantaram “ You can count me out “ ( / Não conte comigo / )... O Hallai do “Araújo”, quem viu sabe do que eu estou falando...as raízes....tipo “Pink floyd “ com Sid Barry... ou o “Gênesis “com o Peter Gabriel... não existia mais... não estou falando em qualidade... mas em matéria de estética e do lance conceitual, o Hallai perdeu muito... mas enfim já estávamos por uma beirada, e o 3º Concerto da Lee , já estava nos cartazes da rua.

P/ Fanni – Necão , vamos lá ...é o Hallai Hallai no palco do” Leopoldina” ?

R/ Necão – O concerto do “Mr. Lee” , no Teatro Leopoldina foi um acontecimento. Perguntavam, que tipo de evento é esse capaz de agitar toda cidade de uma vez só?
A contracultura, um novo Sgt. Peppers ,a Tropicália Gaúcha,um novo ritmo,ou um encontro de namoradinhos? Que nada véios, era “Mr. Lee in Concert”... a Terra do Sem Fim !!!!!!O Júlio dividiu o concerto em dois dias . O Hallai ficou no dia 1º de maio sempre predestinado dia do Trabalho.Agito na cidade,sindicatos...blá...bla´...blá...blá... E o Hallai , com 4 vozes,violões e baixo. ( A la pucha tchê) (risos)... ...1976...sábado....Teatro Leopoldina...
1ª de maio... Esta noite foi do BIZARRO, HALLAI, HERMES AQUINO, MANTRA, STATUS 4... fomos o penúltimo a ser chamado pelo Júlio (Mr. Lee), quem encerrou foi o Hermes Aquino. Preparamos as canções que estavam rodando na Continental, e incrementamos com novas canções...fiz uma canção, para este evento, que tinha o nome de” Águias”, outra canção “Natural” que falava de um lago virgem chamado Hallai – Hallai, o Paulinho fez uma canção instrumental chamada “ Chuvas”, um concerto para 3 violões...demais.!!!! O público em silêncio total...no final ...bis...aplausos... encerramos com “Cowboy“... em que o ”bem”, era representado pelo “copo de leite”, e o” mal” pelo” whisky”... o Apache e o Velho Xerife, em igualdade de condições...sem discriminação... tocamos América, Falsos Deuses, Vento Minuano, o Tempo Passa, O Sul ,Pedro e Sara...uma festa de vocal / viola e baixo ... foi demais...naquela noite a marca da civilização Hallai, ficou marcada, no palco mágico e histórico do inesquecível “Teatro Leopoldina”...




P/ Nanda – Báh...tchê...como terminou esta noite ?

R/ Necão – Faz tempo, se eu não me engano terminou com todos os músicos num bar da “Getúlio”, num alto astral...altas pizzas e outros breguetes... o Júlio estava inteiro no movimento da vida de Lee... hei! Hei!... só quero dizer o seguinte: a música “cowboy” ficou estigmatizada dentro do movimento...feita em Porto Alegre...... a mesma coisa quando os “Eagles” fizeram na cidade de Winscow a canção “ Take it Easy”...a globalização , o lance sem fronteiras, sem discriminação, não importando se a canção fosse cantada em português ou inglês... isto tudo já estava nascendo ,aki xará, em Porto Alegre no final da linha do ônibus...só viu quem estava lá... a sonhada indústria do disco de Porto Alegre?!?!? Estava dormindo!

Lucas/ - Necão, escutei a gravação do Cowboy feita no “Mosch” em Sampa, sensacional , o andamento, o vocal,aquele solo de guitarra, no final aquela festa toda, se naqueles anos do “Mr. Lee”, vocês tivessem gravado em inglês...puxa... a Lee Company...era a patrocinadora...multinacional...bem que poderia ter feito uma ponte para o Hallai lançar esta música em todos os desfiles da Lee.

Necão/ - Quando gravamos nos estúdios da Continental, o Júlio estava em Nova Yorque, já falei no início, quando ele chegou, o Anele mostrou a gravação pra ele e na mesma noite o Júlio lançou no programa Mr. Lee . Ele primeiro colocou o instrumental , e falava em cima :- Feita aki , Xará, som autêntico de Lee, o instrumental do Hallai Hallai,rodagem máxima dos estúdios da Continental,o vocal do Hallai Hallai , o velho cowboy,pelas estradas de Lee. Depois o Júlio colocava em seguida a música com o vocal e falava mil outras coisas em cima... aquele momento foi indescritível...
o Júlio depois saiu do estudio , e nos disse: Eu estive lá, e parece que foram vocês , que passaram todos estes dias em Nova Yorque. Por isso que eu citei aquela história do “Eagles”,imagine se fosse nos Estados Unidos ,(tô falando da mentalidade empresarial), o grupo lá da Califórnia, de São Francisco (tipo, Rio Grande do Sul / Uruguaiana ) lançam esta canção num desfile da Lee, cheia de energia e falando de um cowboy que só tomava leite, a própria cena americana histórica, que fez a rota dos confederados do sul e dos da União do Norte.

Lucas/ - Mas Necão na verdade , não dá pra pensar assim os gringos estão na frente, eles é que inventaram esta coisa chamada” marketing”.

Necão/ - Aí, é que entra a geografia, o final da linha do ônibus, a polêmica ...O Rio Grande do Sul, pra mim, naquela ocasião, era uma espécie de Novo México sem fronteiras, sem portas, sem telhado, em que a maior ligação deles era com a terra e com o céu, o grande Saara da América do Norte...igual a gente,só que com a diferença de que as nossas fronteiras estavam viradas para um outro lado, as nossas portas também estavam abertas para outro tipo de som,os nossos telhados eram feitos de telhas de barro do fim do mundo, e a questão da terra e do céu tinha aquela dose generosa dos pampas do Rio Grande. Era a hora da grande virada, de colocar um antídoto em todas aquelas influências recebidas do centro do País (Rio / São Paulo) e formar nosso próprio mercado .
O Júlio fez o “marketing”, criou a necessidade, a Lee assinava em baixo... era só pensar um pouco... e fazer o que o Júlio pregava : O Vivendo a Vida de Lee vai ser coust to coust... leiam os críticos da época que escreviam, que aquele momento” era crer para ver e não ver para crer”... Hoje, falar disso assim, parece algo surreal , mas quem viveu o momento , sabe do que estou falando...tudo era possível.O mundo da era digital estava no útero e rebentaria logo depois,...”naqueles anos setenta , como hoje (2009) tudo estava a venda: não só as coisas do super mercado, a música também.
A contracultura começava a ser absorvida pelo establishment. A força das gravadoras era total e absoluta (majors)... me lembro que o Júlio já falava em rádios “FMs”, este assunto vai longe... Dylan na canção “Desolation Row”, diz assim: -Tocam todos apitos de brinquedo/ Você pode ouví-los soprar/ Se inclinar a cabeça o bastante/ Para fora da Travessa da Desolação / Onde adoráveis sereias flutuam/ E ninguém tem de pensar muito / Sobre a Travessa da desolação /
A verdade é o seguinte...a medida que o “Vivendo a Vida De Lee”, crescia , a extensão que já tinha sido conseguida pelo Júlio e pelos músicos permanecia baixa, pela miopía empresarial da Continental... me diz o seguinte...se não era para ter ampliado aquele estudio onde eram gravadas as músicas que o Júlio colocava no ar, os jingles comerciais poderiam ter sido produzidos pelos músicos do movimento (Lee),com isso o tamanho da( rede) Continental poderia ter usufruído melhor de todos aqueles talentos que circulavam pelos corredores , e muitas vezes não tinham nada para fazer. Toda tecnologia que estava vindo e que mudou a música e as mídias, poderia ter sido vinculada com a introdução da onda “FM” que a direção ignorou, ou não quis enxergar... a gente só falava com o Júlio, que era o único que ouvia e tinha a mesma vibração dos músicos em idéias e planos.
A Travessa da Desolação (Dylan), pra mim foi o final de todo o movimento , e o brutal é que as sereias estavam todas ali ,era só ouvir seus cantos.
- Vivendo a Vida Lee – Concerto nº 3 –

No dia 30 de abril(sexta feira) se apresentaram : Bobo da Corte/ Fernando Ribeiro/ Flor de Cactus/ Gilberto Travi/ Inconsciente Coletivo/ Metamorfose.
No dia 1ª de maio (sábado) se apresentaram:Bizarro,Hallai Hallai/Hermes Aquino/Mantra/ Status 4/ Élbia/Beto Barcellos.
Tudo isso aconteceu no ano de 1976 em Porto Alegre capital do Rio Grande do Sul/Brasil.

...continua na próxima postagem...>